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Clipping IAG

Desigualdade e abusos na pandemia impulsionam cobranças por Direitos Humanos

Grupo IAG Saúde
04/09/2020
Desde que o coronavírus chegou ao Brasil, em março, junto com todas as questões científicas vinculadas à covid-19, as desigualdades sociais, o desrespeito e a crueldade foram evidenciados. Todos sabiam, por exemplo, das diferenças de acesso a atendimento médico entre ricos e pobres ou brancos e negros, mas a pandemia deixou isso ainda mais patente, assim como explicitou na arena da internet a violência do mais forte contra o mais fraco.
 
 

Para a senadora Rose de Freitas (PMDB-ES), os direitos humanos foram flagrantemente desrespeitados e há uma clara desproporcionalidade de tratamento entre as camadas da população.

 
 

— Os mais necessitados tiveram que se valer do que tinham, e o que tinham já não era muito bom. Mesmo com o Sistema Único de Saúde [SUS], faltou estrutura para salvar mais vidas. A afirmação dela é corroborada por um estudo do Núcleo de Operações e Inteligência em Saúde (NOIS), da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), no qual foi analisada a variação da taxa de letalidade da covid-19 no Brasil, observando-se as condições socioeconômicas da população. Com dados atualizados até 18 de maio, a equipe de pesquisadores avaliou cerca de 30 mil casos disponibilizados pelo Ministério da Saúde e concluiu que, entre os brancos, 38% morreram e 62% se recuperaram. Já entre os negros, a taxa de recuperação foi de apenas 55% em comparação com 45% de óbitos. A desigualdade persiste quando se observam os casos com base na escolaridade, um indicador relacionado com a renda — avaliou.

 
 

“A hipótese é que os mais ricos têm melhor desfecho [da doença], sobrevivem, e os mais pobres morrem. A covid-19 é um problema novo, mas a desigualdade social é um problema muito antigo. A desigualdade mata muito mais do que o coronavírus”, explica o professor Silvio Hamacher, coordenador do NOIS, em informe da Ponte, organização sem fins lucrativos de defesa dos direitos humanos. “No Brasil, quem tem menos condição socioeconômica tem pior acesso à saúde e mora com mais pessoas na casa. A grande mensagem é a falta de acesso”, analisa o coordenador.

Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe, e a sua família, saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle  — Artigo XXV da Declaração Universal dos Direitos Humanos
  Rose de Freitas chama a atenção para a sobrecarga que prejudica aqueles que não têm recursos próximos a suas moradias e são obrigados a se deslocar a longas distâncias e, muitas vezes, enfrentar situações de conflito para obter atendimento.
 
  — Houve quem morreu por falta de um respirador. O Brasil teve tempo para equipar o SUS, mas só se deu conta da falta de equipamentos quando as pessoas começaram a morrer ali na frente de todo mundo — lamenta a senadora.
 
  “O cara com menor escolaridade, no município mais pobre, vai chegar ao hospital em condições muito ruins, em um estágio muito avançado da doença”, assinala Hamacher.
 
  A parlamentar pelo Espírito Santo lembra também de famílias que não conseguiram localizar doentes ou nem sabiam que estavam mortos. Ou, se sabiam, desconheciam onde haviam sido enterrados.
 
  — As covas eram abertas e o corpos eram enterrados ali às pressas, de qualquer jeito. Dizem que o coronavírus atingiu a todos de maneira igual. Não, porque o rico tinha recursos. E os pobres continuaram enfrentando violência, balas perdidas tiravam vidas, o tráfico tomando conta do país — destacou.
  Como autora do projeto que levou à instituição do Dia Nacional dos Direitos Humanos, celebrado em 12 de agosto, Rose de Freitas aponta para a realidade incômoda da violência doméstica contra as mulheres durante a pandemia. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), em março e abril aumentaram as denúncias ao serviço Disque 180, mas, vigiadas em casa pelos agressores, as mulheres tiveram mais dificuldade em registrar ocorrências e pedir proteção policial. As medidas protetivas de urgência caíram de 5.507 para 3.927 entre 2019 e 2020, no acumulado entre março e abril, com recuo de 28,7%. Os registros no Disque 180 se elevaram a 19.915 no bimestre março-abril contra 15.683 no mesmo período do ano anterior, ou seja, 27%.
 
  Além da violência, outros aspectos da vida das mulheres preocupavam a Organização das Nações Unidas já em março: “a maioria das profissionais de saúde são mulheres e isso as coloca em maior risco. Muitas delas também são mães e cuidadoras de familiares. Elas continuam carregando a carga de cuidados, que já é desproporcionalmente alta em tempos normais. Isso as coloca sob considerável estresse”, declarou Phumzile Mlambo-Ngcuka, diretora-executiva da ONU Mulheres. “Além disso, a maioria trabalha na economia informal, onde o plano de saúde provavelmente não existe ou é inadequado e a renda não é segura. Como elas não estão direcionadas para ajuda financeira, acabam não possuindo suporte. Este não é simplesmente um problema de saúde para muitas mulheres; isso vai ao cerne da igualdade de gênero”, diz a ONU.  
Os índios, outro grupo já bastante fragilizado, viram sua situação piorar pela associação entre falhas nas políticas de saúde e ambientais e intolerância ideológica, de modo que a circulação de garimpeiros e desmatadores ilegais tem espalhado a covid-19 em comunidades distantes de recursos médicos ou em periferias de cidades onde há índios em situação de extrema pobreza.
 
  Até o dia 26, havia 27.733 casos confirmados de covid-19, com 731 mortos em 155 povos afetados, segundo levantamento da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). Pelo menos cinco caciques morreram, o que traz prejuízos graves à organização das comunidades.
 
  Para salvaguardar minimamente a saúde desses grupos, o Congresso teve de derrubar no último dia 19 vetos aplicados pelo presidente Jair Bolsonaro a um projeto de lei que determinava a criação de um Plano Emergencial para Enfrentamento à Covid-19 nos territórios indígenas. O PL havia sido aprovado no dia 21 de maio pela Câmara dos Deputados e, no dia 16 de junho, pelo Senado. A Lei 14.021/2020, com 22 vetos, foi sancionada no apenas no dia 7 de julho. Quando o Senado a aprovou, o número de indígenas mortos era de 287. No dia 21, já eram 701, um salto de 144%, informa a Apib.     “Foi importante a derrubada dos vetos, mas quando vai começar a implementar? Já temos 700 óbitos, vai esperar mais 700 indígenas morrerem para implementar um plano?”, questiona Sonia Guajajara, coordenadora executiva da Articulação. Para a Apib, “as decisões demonstram a adoção de uma política anti-indígena, uma vez que os trechos rejeitados obrigavam o governo a garantir desde o fornecimento de água potável à facilitação do acesso ao auxílio emergencial.”
Em razão dos vetos, o presidente da Comissão de Meio Ambiente do Senado (CMA), Fabiano Contarato (Rede-ES), denunciou Bolsonaro ao relator especial da ONU para os direitos dos povos indígenas, José Francisco Cali Tzay. “O que estamos vendo e o que as lideranças indígenas denunciam é uma tentativa de genocídio. Contamos com a pressão internacional para fazer Bolsonaro assumir o socorro estatal vital às populações mais vulneráveis do país”.
 
  Bolsonaro já havia sido denunciado em novembro de 2019 ao Tribunal Penal Internacional (TPI), com sede em Haia, Holanda, pelo Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos (CADHu) e a Comissão Arns de ex-ministros e juristas ligados a causas de direitos humanos por "crimes contra a humanidade e atos que levam ao genocídio de comunidades indígenas e tradicionais". Segundo a organização, o presidente “incitou violações e violência contra populações indígenas, enfraqueceu instituições de controle e de fiscalização, demitiu pesquisadoras e foi omisso em relação a crimes ambientais na Amazônia”. Uma das frases de Bolsonaro é “enquanto eu for presidente não tem demarcação de terras indígenas”. Ele não recriminou seu então ministro da Educação, Abraham Weintraub, quando disse na reunião ministerial do dia 22 de abril: “odeio esse termo 'povos indígenas'”.
 
A Apib e uma dezena de instituições desenvolve neste momento a campanha #ForaGarimpoForaCovid para garantir apoio da sociedade a medidas que salvem vidas de índios.
No Senado, a postura do Presidente da República em relação a outro tema candente, a liberdade de imprensa, gerou uma reação firme da parte de parlamentares que repudiaram as palavras do chefe do governo a um repórter depois de este lhe perguntar sobre depósitos de seu ex-assessor Fabrício Queiroz na conta da primeira-dama, Michelle Bolsonaro. “A vontade que eu tenho é encher a sua boca na porrada”, disse.
 
  O líder da Minoria, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), já protocolou no Supremo Tribunal Federal (STF) pedido de abertura de inquérito, além de ter feito petição à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA). Segundo o parlamentar, a mídia brasileira tem sido tratada com descaso pelo presidente, que também incita o comportamento violento de seus apoiadores contra os profissionais. O site Repórteres sem Fronteiras (RSF) fez um levantamento dos ataques à imprensa brasileira com origem no presidente e seus colaboradores no segundo trimestre deste ano. Entre abril e junho, 21 agressões partiram do próprio presidente a jornalistas e à imprensa em geral. No total foram registrados 101 ataques diretos a veículos e meios de comunicação; 73 comentários negativos que visam desmoralizar o trabalho da imprensa de modo geral; 15 ataques diretos a jornalistas mulheres; 13 ataques diretos a jornalistas homens; e dois cerceamentos da informação (censura).
 
  “Superamos a ditadura, somos uma democracia e Bolsonaro tem que respeitar os direitos adquiridos”, afirmou Randolfe no Twitter.
 
  Também se manifestaram a respeito do episódio na Catedral os senadores Humberto Costa (PT-PE), que chamou a ameaça de “absurda”. Os senadores Veneziano Vital do Rego (PSB-PB), Rogério Carvalho (PT-SE), Jean Paul Prates (PT-RN), Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Major Olimpio (PSL-SP) replicaram o questionamento do repórter. Contarato lembrou ainda que a Constituição brasileira garante liberdade de imprensa e liberdade de expressão. “Atentar contra isso é crime”, advertiu.
 
  Em várias outras ocasiões Bolsonaro desferiu ofensas a integrantes da imprensa, inclusive com palavras de baixo calão relacionadas à sexualidade de repórteres mulheres e à mãe de um jornalista.
Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras (Artigo XIX da Declaração Universal dos Direitos Humanos)
    Tanto os riscos aos direitos humanos em face das desigualdades econômicas e sociais quanto as ameaças às liberdades haviam sido objeto de alertas pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) em abril:     “A pandemia da covid-19 pode afetar seriamente o pleno exercício dos direitos humanos devido aos graves riscos à vida, à saúde e à integridade pessoal". As Américas são a região mais desigual do planeta, caracterizada por profundas lacunas sociais em que a pobreza e a pobreza extrema constituem um problema transversal em todos os estados do região; bem como a falta ou precariedade no acesso à água potável e saneamento; a insegurança alimentar, situações de contaminação ambiental e falta de moradia ou habitat adequado”, alertou a CIDH.     Mesmo reconhecendo que o distanciamento social restringe, pelo menos parcialmente, alguns direitos, como o de ir e vir, a comissão ressaltou que a democracia e o Estado de Direito “são condições necessárias para alcançar a validade e o respeito dos direitos humanos”. E reafirmou “o papel fundamental da independência e ação dos poderes públicos e instituições de supervisão, em particular os poderes Judiciário e Legislativo, cuja operação deve ser assegurada mesmo em contextos de pandemia”. Além disso, recomendou a adoção de medidas positivas de proteção adicional a grupos de defesa dos direitos humanos e à imprensa, dadas as evidências de que há restrições ao trabalho de ativistas e profissionais da mídia, inclusive com “detenções arbitrárias”. O Repórteres Sem Fronteiras tem registrado até ameaças de morte a jornalistas.     No dia 1º de setembro, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) manifestou-se quanto à denúncia de que funcionários da Prefeitura do Rio de Janeiro estão se postando em frente a hospitais para atrapalharem o trabalho da imprensa e impedirem que cidadãos protestem com relação a eventual má qualidade dos serviços prestados pelas unidades de saúde. "A criação de grupos organizados com o objetivo de sabotar o trabalho da imprensa é inaceitável em democracias, sendo típica de regimes autoritários (...) bem como de movimentos fascistas. Tal fato já é inadmissível, mas se torna ainda mais grave por dificultar o acesso, durante uma pandemia, a informações sobre saúde, fundamentais para as políticas de enfrentamento à doença. É uma violação grave não apenas à liberdade de imprensa, mas também aos direitos humanos à saúde e à informação". Segundo ainda a Abraji, "o caso evidencia, mais uma vez, a incapacidade de Crivella de cumprir a obrigação de prestar contas à sociedade de suas atividades como prefeito".
    O limite tênue entre defesa sanitária e restrições indevidas a direitos consagrados, além do papel dos organismos multilaterais, foi tratado pelo doutor em Filosofia, pesquisador e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) Marcelo de Araújo, em entrevista à Agência Senado:     — A pandemia exigiu, sim, a suspensão temporária de alguns direitos básicos: liberdade de ir e vir (Artigo 13 da Declaração Internacional de Direito Humanos, 1948), liberdade de associação (Artigo 20), e direito à educação (Artigo 26) como medidas indispensáveis  para minimizar a ocorrência de novas contaminações. A ideia era evitar a aglomeração de pessoas nas ruas, escolas, universidades e no comércio, mas apenas temporariamente, e para preservação de um outro direito: o direito à saúde (Artigo 25). No entanto, num mundo pós-pandemia, especialmente em países sob a liderança de governos populistas, políticas para a proteção de direitos humanos terão de ser novamente encorajadas, reconstruídas e implementadas.     O problema de acordo com o professor da UFRJ é que o populismo e o autoritarismo podem converter em permanentes as medidas “excepcionais e transitórias” que foram importantes durante a pandemia:     — Os Estados [países] podem acabar se tornando mais avessos à cooperação internacional com a justificativa, a meu ver equivocada, de que em momentos de crise, como esse gerada pela pandemia, é cada Estado por si. Mas isso é um erro. A prevenção de novas pandemias — e novas pandemias devem de fato ocorrer — exige a cooperação internacional e a busca pela promoção dos direitos humanos em nível global, incluindo o direito à saúde — explica.     O senador Flávio Arns (Podemos-PR) acredita que os organismos multilaterais, uma das principais bases da cooperação internacional e ponta de lança dos direitos humanos, sairão fortalecidos da pandemia:     — O multilateralismo foi um legado importante do século 20. Neste momento de dificuldades mundiais, por exemplo, são as orientações unívocas, seguras e lastreadas na ciência, emanadas da Organização Mundial da Saúde (OMS), que têm dado unicidade aos governos nacionais na definição de suas ações perante a crise sanitária ora existente. As nações que vacilaram no atendimento dessas orientações, agora, pagam altos preços em termos de vidas perdidas. Por outro lado, em países onde as orientações da OMS estão sendo seguidas com seriedade, os números demonstram que a pandemia recua.
Rose de Freitas acha que a cooperação internacional sofreu um forte arranhão quando o mundo todo passou a buscar por equipamentos e insumos (máscaras, remédios) e o nacionalismo falou mais alto.     — Quem tinha fábrica quis reservar para si. Essa discussão sobre reserva de respiradores foi uma coisa horrível! Mas acabou mudando o eixo da conversa. As pessoas foram colocadas nesse discurso. O médico que contrariou Trump e defendeu as medidas sanitárias corretas é um exemplo. O indivíduo passou a ser enxergado. Está ao alcance da percepção. O indivíduo tem um lugar nesse novo arranjo que virá.     Para a senadora, a pandemia acelerou e esquentou os debates porque em meio a ela vieram o caso do segurança negro George Floyd, morto por policiais nos Estados Unidos, e as queimadas na Amazônia:     — Todo mundo ficou de frente para a morte e sem direito a nada! A palavra vida se tornou essencial! As pessoas querem discutir tudo isso, querem discutir a sacola plástica do supermercado. Esse é o novo cidadão que os políticos vão encontrar depois da pandemia. Ele quer seus direitos. E quer já, porque a pandemia trouxe um sentido de urgência.     Segundo ela, nas lacunas do Estado, muitas iniciativas comunitárias, como o “compre perto de você”, surgiram, num sinal de que a solidariedade pode ser um ingrediente importante do chamado novo normal.     Flávio Arns se diz otimista em relação ao futuro: — A reversão desse cenário adverso é o que todos devemos buscar, Estado e povo, pois são objetivos fundamentais da República construir uma sociedade livre, justa e solidária, erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais.     Na visão do parlamentar, a pandemia “é um acontecimento tão dramático quanto passageiro”. E não há porque não confiar na capacidade de superação e agir dos brasileiros. Vencida as dificuldades atuais, ele acha que país deve “empreender esforços consideráveis para o reerguimento da economia com qualidade de vida, sempre tendo em vista o atendimento das necessidades básicas das pessoas, em primeiro lugar”.     — Cabe especialmente ao Poder Público, com o apoio da sociedade, proporcionar instrumentos e aparelhos sociais para a proteção dos mais frágeis, assegurando-lhes o mais elementar direito, que é o da existência com dignidade e cidadania.
Na linha de frente de temas como segurança pública e justiça, o jornalista Fausto Salvadori Filho, integrante da Ponte, não faz uma boa avaliação dos organismos multilaterais no momento.     — O enfraquecimento do multilateralismo de fato afeta a luta pelos direitos humanos, porque obriga as diversas entidades a reverem suas estratégias. As técnicas tradicionais de naming and shaming, que envolviam denunciar as violações cometidas pelos Estados nas cortes internacionais, já não têm a mesma força e eficácia que um dia tiveram. Os ativistas brasileiros, que toda semana fazem alguma denúncia contra Bolsonaro em algum organismo internacional, estão percebendo o que ativistas da Hungria ou da Palestina já aprenderam há muito tempo: não se pode esperar que a salvação contra os genocídios ou contra a ascensão de autoritarismos venham dessas organizações. Antes de mais nada, é importante um movimento forte dentro dos países, em torno da resistência democrática e do combate ao autoritarismo.     Se a ação internacional é posta em dúvida, o que dizer do desempenho dos atores nacionais?     — Decepcionante — classifica. — O problema não são as dificuldades econômicas, mas o projeto político. Jair Bolsonaro foi o único presidente a ignorar a questão da desigualdade social em seu discurso de posse. Não há projeto para incluir os mais frágeis hoje. Essa falta de projeto, essa visão de mundo centrada na meritocracia e no desprezo pelas minorias, é pior do que orçamento comprometido.     Já na visão de Arns — assim como de Rose de Freitas — “o papel do Congresso neste momento é importante e está sendo bem cumprido”.     De acordo com ele, a flexibilização temporária dos ritos legislativos, com a confluência das matérias diretamente ao Plenário virtual, foi adequada e oportuna.     — Isso deu boa fluidez ao avanço de matérias prementes. Por parte dos partidos e dos congressistas, temos conseguido atingir consensos importantes, superando com maturidade e rapidez os eventuais impasses que surgem. Tudo isso tem acontecido em consonância com uma agenda indispensável ao país neste momento de grave exceção nacional.     Agora, segundo os dois senadores, é preciso avançar na agenda econômica para garantir renda a quem só pode (e em muitos casos não pode) contar com o auxílio emergencial.

Humilhação, fraude e sangue no varejo da pandemia
Além dos problemas que afetam grupos no atacado, como o atendimento médico deficiente, a pandemia trouxe para o primeiríssimo plano uma série de episódios difusos que refletem algumas estruturas arcaicas e persistentes da sociedade brasileira, em prejuízo dos direitos humanos. O racismo manifestou-se diversas vezes, provocando indignação em plataformas como o Twitter e o Facebook. Num caso emblemático, um entregador de refeições foi destratado e injuriado por um morador de condomínio em Valinhos (SP), que lhe mostrou o braço para dizer que o motoboy tinha inveja da cor branca.     A humilhação também foi o recurso de pessoas insatisfeitas com as regras de distanciamento social e uso de máscaras, exemplo de um casal de engenheiros do Rio de Janeiro e de um juiz de Santos (SP). "A gente paga você, filho. O seu salário sai do meu bolso. Cidadão, não. Engenheiro civil, formado. Melhor do que você", disse a mulher a um fiscal da saúde pública, no início de julho, durante inspeção em um bar na Barra da Tijuca para conter a aglomeração de frequentadores. Descobriu-se depois que o marido dela tinha recebido uma parcela do auxílio-emergencial destinado aos mais necessitados durante a pandemia, comportamento no qual foram pegos milhares de pessoas de classe média, inclusive militares. A engenheira acabou demitida pela empresa onde trabalhava.     Abordado por um guarda municipal por estar sem máscara, o desembargador Eduardo Almeida Prado Rocha de Siqueira, do Tribunal de Justiça de São Paulo, humilhou um guarda municipal, chamando-o de "analfabeto". Em seguida rasgou a multa e buscou se valer do cargo para dar uma “carteirada” em telefonema ao secretário de Segurança Pública da cidade.     Menos sorte teve a médica intensivista Ticyana D’Azambujja, moradora do Grajaú, outro bairro do Rio, espancada ao tentar acabar com uma das inúmeras festas “da covid” que se realizaram no Brasil apesar da gravidade do contágio pelo novo coronavírus. O evento, realizado no início de junho, contava inclusive com copo personalizado, o 'meme do caixão', segundo o site G1. Exausta ao término de mais um plantão, durante o qual se dedicara justamente a cuidar de vítimas da covid-19, ela tentou inutilmente dormir. Foi para o local da festa e terminou danificando o carro de um dos presentes, tendo sido arrastada pela rua, esmurrada e chutada por uma mulher e dois homens, um dos quais membro da Polícia Militar. “Eles vieram para me matar”, contou Tyciana na delegacia.
  Outro caso rumoroso foi o de uma menina de apenas 10 anos, estuprada pelo próprio tio na cidade de São Mateus, norte do Espírito Santo. Constatada a gravidez, ela preferiu não seguir em frente e dar à luz. Obteve na Justiça o direito de interromper a gestação, ainda que nessa situação não precisasse, porque o aborto é previsto em lei. O episódio bárbaro provocou indignação de muitos, mas levou à ira extremistas anti-aborto, que passaram a chamar a garota de assassina. A militante Sara Giromini chegou a divulgar o nome da criança em redes sociais. Giromini, que cumpre medidas cautelares, como o uso de tornozeleira eletrônica, por ser investigada em inquérito que apura protestos anti-democracia, infringiu artigos do Código Penal e do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Em Recife, para onde a menina foi levada no dia 17 de agosto, um grupo contrário ao aborto postou-se na porta do hospital para impedir os procedimentos de retirada do feto, de modo que ela teve de entrar na unidade hospitalar escondida no porta-malas de um carro.     — Não sou a favor do aborto como fato corriqueiro, pois existem métodos preventivos, mas, na violência do estupro, não posso aceitar a gestação como condenação imposta pela violência prevalente sobre o outro, como um ato animal selvagem, que toma o outro de forma hedionda, humilhante e covarde — argumenta a senadora Rose de Freitas — Essa gestação ameaçava a sua vida. A interrupção deu a oportunidade da vida, a perspectiva da construção da felicidade pessoal. Ela não aceitou a imposição da falsa moral, de regras da fé.     Perigos a vidas humanas nas favelas do Rio tiveram de ser contidos pelo próprio Supremo Tribunal Federal (STF), que confirmou no dia 5 liminar do ministro Edson Fachin proibindo operações policiais durante a pandemia. Fachin só autorizou ações de maior envergadura e com armamento pesado em hipóteses "absolutamente excepcionais" e precedidas de justificação por escrito, além de comunicação imediata ao Ministério Público. A decisão do STF foi tomada “para não colocar em risco ainda maior a população, a prestação de serviços públicos sanitários e o desempenho de atividades de ajuda humanitária".

 

Fonte: Leia a matéria na íntegra em Agência Senado.

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Esta publicação em nada reflete a opinião ou conhecimento pessoal da Presidência, da Diretoria ou da equipe do Grupo IAG Saúde, sendo seu caráter, unicamente informativo, não sendo utilizada para fins comerciais.

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