Os Diretores do IAG Saúde, Dra. Tania Grillo e Dr. Renato Couto, foram convidados para escrever na terceira edição do Boletim AMECI – Associação Mineira de Epidemiologia e Controle de Infecções. No artigo, eles tratam sobre uma necessidade cada vez mais transparente nas instituições hospitalares, a “Acreditação e seu Impacto na Minimização dos Erros e Eventos Adversos na Assistência Médico-Hospitalar”. Disponibilizamos abaixo o texto, e desejamos a todos uma boa leitura.
ACREDITAÇÃO E SEU IMPACTO NA MINIMIZAÇÃO DOS ERROS E EVENTOS ADVERSOS NA ASSISTÊNCIA MÉDICO-HOSPITALAR
Tania Moreira Grillo Pedrosa
Médica. Doutora em Ciências da Saúde: Infectologia e Medicina Tropical (UFMG)
Renato Camargos Couto
Médico. Doutor em Ciências da Saúde: Infectologia e Medicina Tropical (UFMG). Professor Associado do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFMG
As infecções relacionadas à assistência (IRA) resultam em consequências sociais e econômicas significativas para todo o sistema de saúde de um país. Nos EUA, o maior estudo nacional de estimativa anual de custos assistenciais diretos secundários às IRA’s, ainda é o de 1992, baseado nos resultados do Projeto Senic (Study on the Efficacy of Nosocomial Infection Control), conduzido em meados da década de 1970 (1). Com uma incidência aproximada de 4,5 IRA’s a cada 100 admissões hospitalares os custos diretos anuais devido a este evento adverso eram estimados em 4,5 bilhões de dólares (de 1992). Entretanto, estudos mais recentes têm mostrado que a epidemiologia das IRA’s vem mudando substancialmente desde o Projeto Senic, assim como o custo do seu tratamento.
O relatório “Os custos médicos-assistenciais diretos das infecções relacionadas à assistência nos EUA e os benefícios da prevenção”, publicado em 2009 (2), utilizou os resultados da literatura médica e econômica para fornecer uma gama de estimativas para a atualização do custo hospitalar direto anual referente ao tratamento das IRA’s. Foram utilizados dois índices de preços ao consumidor (IPC) para o ajuste da inflação nos preços dos recursos hospitalares. Com este ajuste, o valor anual total dos custos hospitalares diretos para o tratamento de IRA nos EUA foi estimado em 45 bilhões de dólares em 2007. Após ajuste para a faixa de eficácia das possíveis intervenções de controle das infecções, os benefícios da prevenção variaram entre 5,7 e 6,8 bilhões (considerando 20% de infecções evitáveis) e entre 25 e 31,5 bilhões considerando 70% de infecções evitáveis. As estimativas de redução entre 5,7 e 6,8 bilhões de dólares por ano são comparáveis aos custos de acidente vascular cerebral (6,7 bilhões), diabetes mellitus com complicações (4,5 bilhões), e doença pulmonar obstrutiva crônica (4,2 bilhões).
Todavia, as análises econômico-financeiras não possuem poder estatístico suficiente para estimar outra gama de custos igualmente importantes: são os custos indiretos e intangíveis que acometem o paciente, vítima deste evento adverso, e sua família. A redução da produtividade do paciente, sua morbi-mortalidade, a redução dos proventos de sua família, a perda de horas dos familiares para visita ao paciente, os custos com deslocamentos e com a assistência domiciliar são alguns dos custos indiretos. E como custo intangível é preciso considerar as sequelas psicológicas (ansiedade, depressão, incapacidade, perda do trabalho), dor e sofrimento, mudança no comportamento social e nas atividades diárias).
Também há de se ponderar os aspectos jurídicos associados às IRA’s. A IRA tem sido objeto de responsabilidade civil, ou seja, tem sido apontada como causadora de dano a ser indenizado, em juízo, pelos responsáveis: hospitais, entidades mantenedoras de hospitais, administração pública e profissionais da área da saúde.
Os erros e eventos adversos assistenciais envolvem um extenso espectro de erros e complicações, além das complicações infecciosas. Em 1.999, o Instituto de Medicina (IOM) dos Estados Unidos publicou seu relatório “Errar é Humano” (3). Neste relatório, foi estimado que cerca de 44.000 a 98.000 mortes anuais nos Estados Unidos eram devidas a falhas da assistência médico-hospitalar. Aproximadamente, um milhão de pacientes admitidos nos hospitais norte-americanos ao ano eram vítimas de eventos adversos assistenciais, sendo mais da metade deles oriundos de erros e que poderiam ter sido prevenidos. As mortes resultantes destes episódios representavam a quarta maior causa de mortalidade naquele país (4). Excediam, por exemplo, mortes atribuíveis aos acidentes automobilísticos (43.458), ao câncer de mama (42.297) ou a AIDS (16.516).
A pergunta que fica é: como devem agir os serviços de saúde, tanto públicos quanto privados, para evitar ou diminuir a ocorrência de erros e eventos adversos assistenciais, assim como a incidência e o êxito das ações de indenização? A resposta é simples: investir maciçamente na melhoria contínua de seus processos, tornando-os cada vez mais seguros. E isso se torna uma ação factível se como alicerce a este investimento se encontra um forte sistema de gestão da qualidade.
Acreditação Hospitalar no Brasil
Partindo das iniciativas pioneiras em acreditação no País, o Ministério da Saúde, em 1997, consolidou as diversas experiências numa metodologia única, de consenso, para o início da implementação do Programa Brasileiro de Acreditação Hospitalar (PBAH) tendo como base o manual “Acreditação de Hospitais para a América Latina e Caribe”, sob a consultoria do Dr. Humberto Novaes. Em 1999 as entidades fundadoras assinaram um termo de compromisso junto ao Ministério da Saúde para a criação da Organização Nacional de Acreditação (ONA). Em 2001 a ONA foi reconhecida pelo Ministério da Saúde, como instituição competente e autorizada a operacionalizar o desenvolvimento de acreditação hospitalar no Brasil.
O Manual Brasileiro de Acreditação das Organizações Prestadoras de Serviços de Saúde, agora na sua 6ª edição, versão 2010, está estruturado em seis seções, de forma a melhor agrupar os serviços, processos ou atividades (subseções) semelhantes e com afinidades entre si: Gestão e Liderança; Atenção ao Paciente/ Cliente; Diagnóstico; Apoio Técnico; Abastecimento e Apoio Logístico; e Infra-Estrutura. Os padrões são definidos em três níveis de complexidade crescente e com requisitos específicos. O princípio orientador do Nível 1 é segurança, do Nível 2 gestão integrada e do Nível 3 excelência em gestão.
O processo de avaliação é voluntário. É coordenado pela ONA que atua por intermédio de instituições acreditadoras (IAC’s), as quais têm a responsabilidade de proceder a avaliação e a certificação da qualidade. Ao final do processo de avaliação a organização hospitalar será acreditada no nível no qual todas as suas unidades se encontram. O nível 1 confere o certificado de Acreditado, o nível 2 de Acreditado Pleno e o nível 3 de Acreditado com Excelência.
Erros e eventos adversos assistenciais em populações críticas brasileiras
O trabalho referencial na área dos erros e eventos adversos relacionados à assistência é o Harvard Medical Practice Study (5). Neste estudo realizado em 1984 no Estado de Nova York (EUA), em 30.195 revisões aleatórias de prontuários hospitalares que envolviam pacientes de todas as faixas etárias, foram encontrados 3,7% de pacientes vítimas de eventos adversos, com 13,6% de óbitos-relacionados. Os eventos relacionados a medicamentos (19%), infecção de sítio cirúrgico (14%) e erros técnicos (13%) foram os mais freqüentes, sendo quase metade destes eventos (48%) associados com erros na realização dos procedimentos.
Assad (6) em estudo de identificação de erros e eventos adversos em 4 centros brasileiros de terapia intensiva de adultos encontrou densidade de incidência de erros/eventos adversos não infecciosos de 114,0/1000 pacientes-dia e 25,2 eventos infecciosos/1000 pacientes-dia. Dos 2110 pacientes acompanhados, 613 (29,1%) apresentaram erros/eventos adversos não infecciosos e 233 (11,2%) cursaram com algum evento adverso infeccioso. Mais de 75% dos eventos não infecciosos foram relacionados a procedimentos invasivos. A pneumonia relacionada à VM, a infecção primária de corrente sanguínea, a infecção arterial ou venosa e a pneumonia não relacionada à VM foram responsáveis por cerca de 70% do total de eventos infecciosos.
Um dado de muita relevância deste trabalho foi a constatação de que, no modelo final de regressão logística, além do tempo de permanência e do uso de procedimentos invasivos terem se mostrado como fatores de risco independentes para a ocorrência de falhas, o grau de qualificação dos processos, medido por score de certificação da qualidade (nas normas ISO e ONA, e o tempo de cada certificação), foi também um fator de risco independente. O centro de terapia intensiva com o maior grau e tempo de certificação apresentou ocorrência de erros e de eventos adversos assistenciais significativamente mais baixos que os demais centros (p<0,001), sugerindo que a gestão da qualidade, com melhoria contínua dos processos e desenvolvimento de competências, é fator crítico para a prevenção e minimização das falhas assistenciais.
Em relação à população neonatal brasileira criticamente enferma, Pedrosa (7), em estudo observacional de coorte histórica de população de recém-nascidos consecutivamente admitidos em unidades de terapia intensiva neonatais entre janeiro de 2002 e dezembro de 2005, encontrou que dos 1895 pacientes acompanhados 29,5% apresentaram algum evento adverso não infeccioso, ocorrendo de forma mais frequente nos RN < 1500 g (p=0,001). A densidade de incidência de todos os eventos adversos não infecciosos foi 35,19 eventos/1000 pacientes-dia estando relacionados, em sua grande maioria, com os procedimentos invasivos CVC e VM. A densidade de incidência de eventos infecciosos foi 26,04 /1000 pacientes-dia. A infecção primária de corrente sanguínea foi a infecção mais freqüente (33% do total de eventos), e mais comum nos RN < 1500 g (p<0,0001).
Na Regressão de Cox as variáveis independentes que se mostraram como fatores de risco para o desenvolvimento de infecção primária de corrente sanguínea até 11 dias após exposição foram o peso de nascimento < 1500 g (p=0,000) e, um dado significativo, foi a identificação dos eventos adversos não infecciosos relacionados à VM como um fator determinante de risco (p=0,037). Além do peso de nascimento < 1.500 g (fator este já amplamente conhecido na literatura), os eventos adversos não infecciosos relacionados à VM são também importantes determinantes diretos da infecção primária de corrente sanguínea nesta população neonatal (em até 11 dias após a exposição). Este trabalho mostra que a prevenção de eventos infecciosos graves na população neonatal, como a infecção primária de corrente sanguínea passa, não apenas pelo controle dos fatores microbiológicos, mas também por uma reestruturação dos processos assistenciais com foco na prevenção de erros e eventos que gerem falhas no suporte ventilatório do neonato.
Discussão
Erros e eventos estão mais comumente relacionados a erros de planejamento ou falhas na execução do que foi planejado para o processo assistencial manifestando-se, em especial, como complicações associadas a procedimentos invasivos e ao uso de medicamentos.
É neste ponto que se faz de maior importância e relevância a adoção de práticas excelência na gestão da qualidade das organizações de saúde. A gestão da qualidade pela metodologia da Acreditação Hospitalar ONA orienta para os princípios de eficácia e eficiência dos processos organizacionais, com fundamental ênfase na assistência. O paciente é o centro das ações dos serviços de saúde, cujos processos assistenciais têm o apoio dos demais processos para assegurar condições seguras e complementares à execução das atividades da assistência.
Referências Bibliográficas
1. HALEY, RW; QUADE, D; FREEMAN, HE; BENNETT, JV. Study on the efficacy of nosocomial infection control (Senic Project). Summary of study design. Am J Epidemiol.1980.111(5):472-485.
2. SCOTT II, RD. Healthcare-associated infections in U.S. hospitals and the benefits of prevention. Centers for Infectious Diseases Control and Prevention. March 2009.
3. ESTADOS UNIDOS. Institute of Medicine. Errors in health care: a leading cause of death and injury. In____. To err is human. Building a safer health system. Washington DC: National Academy Press, 2000. Cap. 2.
4. BATES, D. W.; SPELL, N.; CULLEN, D. J.; et al. The costs of adverse events in hospitalized patients. JAMA. [S. l.], v.277, [S. n.], p.307-311, 1997.
5. BRENNAN, T. A.; LEAPE, L. L.; LAIRD, N. M.; et al. Incidence of adverse events and negligence in hospitalized patients. N Engl J Med. [S. l.], v.324, n.6, p.370-376, 1991.
6. ASSAD, EC. Erros e eventos adversos não infecciosos relacionados à assistência em terapia intensiva de adultos. Belo Horizonte, 2011. xx, 106f. Dissertação. (Mestrado). Medicina Tropical. Faculdade de Medicina da UFMG.
7. PEDROSA, TMG. Erros e eventos adversos não infecciosos relacionados à assistência em terapia intensiva neonatal: epidemiologia e sua associação com a sepse primária laboratorial. Belo Horizonte, 2009. xxi, 116f. Tese. (Doutorado). Medicina Tropical. Faculdade de Medicina da UFMG.
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